A percepção do preconceito.

O Povo - 13.04.2011


O preconceito contra os homossexuais é outro traço que a pesquisa sobre o perfil do morador de Fortaleza desenha. Os números mostram um paradoxo: ao mesmo tempo em que a maioria dos entrevistados (87,5%) declara que não tem preconceito, percentual semelhante (82,8%) acredita que o fortalezense é, sim, preconceituoso.

A contradição expõe, nessa como em outras questões, que há uma tendência maior a se mentir na resposta à pesquisa quando se fala de questões da intimidade. Mas o preconceito é real.

E é visível, demonstrou a professora Glaudiane Holanda, 34 anos, durante a graduação em Ciências Sociais (Universidade Estadual do Ceará). Glaudiane concluiu o curso com a monografia “Entre o proibido e o permitido – sociabilidade homoerótica na Praça da Gentilândia”.

A praça, no efervescente bairro Benfica, caminho de passagem de roqueiros, punks, hippies, boêmios e (contra)culturas, tornou-se ponto de encontro, paqueras e namoros de homossexuais. A maioria, retrata Glaudiane, eram adolescentes e jovens na faixa etária de 13 a 24 anos. Eles se encontravam às sextas-feiras, das 18 às 23 horas, reconstitui a pesquisadora. “E havia dias que chegavam a 300 pessoas”.

A Gentilândia passou, de boca em boca, a ser o local do permitido. Os jovens, antes, engaiolados nos shoppings, foram para a praça. “Estamos ficando lá na Gentilândia”, divulgam os adolescentes, barrados nas boates gays da cidade.

Mas, ao ganhar a rua e a visibilidade, os homossexuais também se tornaram alvo de conflitos, restaura Glaudiane Holanda. “O moradores começaram a acionar a polícia”, conta. A pesquisa de porta em porta demonstrou: “Eles se sentiam muito ofendidos com ‘aquele tipo de pessoa’ na praça. Não achavam normal e se sentiam incomodados com as imagens. Ver dois meninos ou duas meninas se beijando, eles não consentiam... Alguns diziam que não colocavam mais as cadeiras lá fora porque não queriam que seus netos e filhos vissem”.

Começaram a acontecer arrastões no local, destaca Glaudiane. “Os moradores deram o pontapé inicial porque queriam terminar aquele movimento. Foram atrás da polícia, que não deu conta e acabou espancando muitas pessoas lá. Depois disso, alguns moradores entraram em contato com gangues próximas”, ratifica.

E a chamada “pracinha da Gentilândia”, povoada entre 2004 e 2006 por aqueles grupos, foi sendo esvaziada. A intolerância ressoava em um discurso preconceituoso: “O discurso era ‘vamos tirar os ‘veados’ e as ‘sapatões’ desse espaço”. E assim foi. “Começou a surgir a Praça Portugal e abriu um bar, próximo ao 23 BC (23º Batalhão de Caçadores) que deixava os adolescentes entrar. O pessoal fugiu da praça e foi se esconder nesse lugar, que era particular, fechado”, relaciona a pesquisadora.

O esconde-esconde ainda é um meio de os homossexuais vivenciarem suas relações na quinta metrópole do País. Glaudiane reforça: “Pela própria formação do cearense, do macho ser valorizado. O ‘cabra macho’ ainda está muito arraigado na nossa cultura. Quando acontece algo que rompe com esse cotidiano, as pessoas acabam reagindo”.

Daí, a mestranda em Antropologia (Universidade Federal de Pernambuco) conclui, endossando as estatísticas sobre o preconceito contra os homossexuais: a maior parte dos fortalezenses é preconceituosa e intolerante em relação ao que ainda não está legitimado. “Já presenciei, várias vezes. Em bares, quando tem um ato de carinho entre pessoas do mesmo sexo, o dono do bar pede que se retire. Enquanto do lado tem um casal heterossexual se beijando. Ainda causa estranhamento”, atesta.

Ana Mary C. Cavalcante
anamary@opovo.com.br

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